sábado, 16 de novembro de 2013

As Festas Em Minha Casa.

  Todo Natal era a mesma coisa. As pessoas vinham até a nossa casa  , sentavam-se nas poltronas na sala de estar e passavam horas fingindo se interessar pelas vidas de meus pais. Quando pequeno , eu não notava o fingimento. Tudo me parecia muito lindo e charmoso. Mesmo quando as pessoas se olhavam com desdém e falavam com ternura , ao mesmo tempo , eu não percebia o quanto isso parecia infectar a atmosfera da nossa casa.
  Meu pai , na época dessa história , era o prefeito da cidade mais importante do Brasil. São Paulo. Ele havia conseguido o cargo após anos de lutas políticas e acordos com os partidos dominantes . Esse lado da minha família nunca teve problemas com dinheiro. Nunca teve problemas com saúde. Nunca teve problemas. Eu me lembro de um dia , na escola onde eu estudei a minha vida toda , em que uma das minhas colegas de sala se aproximou e me perguntou a respeito do histórico militar do meu pai. Aparentemente , ele havia sido um grande heroi em uma das batalhas contra os invasores do além 
Eu respondi que não sabia de nada , afinal ,até onde me cabia , meu pai nunca havia colocado as mãos em uma pistola , muito menos voado em um dos jatos que defenderam a nossa cidade.
  Tudo em nossa vida social era arranjado por profissionais . Eles havia convencido a toda a população de que meu pai havia sido um heroi militar e que minha mãe havia sido salva por ele em uma das mais dramáticas batalhas do século. E foi essa história que me foi contada durante anos. Aos dezoito , com a visita da tia Rute , de Minas, eu acabei descobrindo que nada daquilo havia ocorrido. Nada.

 "Pode me ajudar com as malas , Olívio?" disse a mulher de tranças ao passar pela porta da nossa casa. Era meu aniversário e ela , até onde eu sabia , era a irmã da minha mãe. Elas haviam passado quinze anos sem se falar . Engraçado como as desgraças , assim como as felicidades tem o dom de reunir familiares.
Uma das muitas sequelas das batalhas contra os invasores do espaço foi a infecção bacteriológica de pontos da nossa atmosfera. Eu não sou uma referencia confiavel , quando se trata de ciencias mas ,eu lí em algum lugar que as naves espectrais trouxeram corpos estranhos consigo e , ao adentrarem o nosso espaço aéreo , acabaram por nos trazer doenças incuráveis e alguns outros presentes de grego. 

Minha mãe estava desaparecendo diante de nossos olhos. Um pouco a cada semana. Sem dor. Sem samgue. Simplesmente desaparecendo.

 Médicos e cientistas renomados já haviam nos visitado e não houve nada que eles pudessem ter feito.
Pessoas se reuniram em frente as nossas casas em oração.Inúmeras celebridades nos visitaram ao decorrer do ano , acompanhadas por equipes de fotografos e televisão. Minha tia ficou conosco durante todo esse tempo.
Ela se encarregou de receber os visitantes e de acompanha-los em suas pequenas homenagens a minha convalescente mãe. Meu pai estava empenhado em ganhar a eleição e , por conta disso, não tinha tempo de nos fazer companhia. Depois de um ano , minha tia parecia nunca ter se afastado de nossa pequena e desfuncional família. Eu não conseguia me imaginar sem ela. Sem as nossas conversas ao redor da enorme e vazia mesa de jantar.

"Eu não acredito que eles tenham ido embora!" disse ela após os convidados para a ceia de Natal terem se retirado. Os nossos empregados recolhiam as louças e tentavam arrumar a sala de jantar em silêncio. Eu estava de costas para ela , observando a cidade . As portas de vidro que davam para a cobertura estavam abertas e o ar da noite era morno. Os responsáveis pela imagem da nossa família  haviam escolhido um traje de festas branco , para contrastar com a minha pele morena e com meus olhos escuros.Com uma taça de champanhe na mão direita e a mão esquerda nas costas, eu me virei para a minha tia com um sorriso educado. "A festa tem que acabar em algum momento." eu disse cordialmente.Com passos largos ela se aproximou e me olhou profundamente nos olhos. "Estou falando dos demonios" ela sussurrou . Eu notei uma luz diferente em seus olhos.Medo talvez.

Tudo começou com uma garota.

"Bruxaria é coisa de menina." Disse um dos rapazes que passou por mim no corredor da faculdade. Eu olhei de soslaio e identifiquei um típico homem branco , descendente de italianos e que nunca , imagino eu , na vida esteve com alguém de outra etnia. Eu sei que é racista da minha parte , pensar assim , mas...sendo um rapaz de origem negro-indigena e com um histórico sexual mais variado que uma salada de frutas , eu me dou o direito de julgar as pessoas menos versadas em ....viver , como eu bem entendo.

 Em um ponto a maior parte das pessoas está correta. Bruxaria e seus derivados começaram sim , por conta de uma mulher. Não se tem informações a respeito do nome ou mesmo da nacionalidade da criatura , mas , ela existiu. Caso o contrário nenhum membro da minha família estaria aqui e a humanidade teria bem menos inimigos do que tem hoje.
Ela se apaixonou por um guerreiro. Um ser de força e poderes descomunais. Juntos eles desbravaram o mundo . De acordo com algumas lendas , ele mostrou o mundo a ela montado nas costas de um dragão.Outros afirmam que eles cavalgaram cavalos mágicose outros alegam que eles simplesmente criaram asas e voaram. Como "criar asas" foi o terceiro feitiço que eu aprendi , eu acredito que essa seja a função mais acurada.
 Em algum momento , o casal começou a ter problemas. Ela se apaixonou por um mortal e começou a deividir o poder que ela tinha com ele . Quando o marido, que não era humano , descobriu , ele se sentiu traído e como punição decidiu levar a esposa consigo para o reindo de onde ele tinha saído.Nessa dimensão ele tinha um castelo e súditos. A mulher , assustada com a perspectiva de morar em uma dimensão , digamos demoníaca , implorou para ficar ao lado de seu amante em troca dos poderes que o marido traído havia lhe conferido. Em resposta , o guerreiro lhe amaldiçoou com o dom da imortalidade. Pode parecer mais como uma benção , mas ver seus entes queridos falecerem , seus amores ficarem velhos e te esquecerem e nunca , nunca poder se revelar totalmente à alguém é uma maldição terrivel.

 Ela foi a primeira criatura amaldiçoada por um , é aqui que as coisas começam a parecer piegas , demônio. Eu realmente não gosto de ver as criaturas extra dimensionais sendo classificadas dessa forma . Mesmo porque não há uma dimensão que possa ser chamada de inferno.Existem pelo menos vinte e cinco que se encaixariam na ideia infernal divulgada pelos cristãos e todas elas tem líderes politicos mais honestos que a nossa.
Enfim , ela foi a primeira amaldiçoada . Com o tempo , ela se apaixonou novamente  se casou e teve filhos ...Esses , digamos , não nasceram de acordo com o esperado.Um deles ,  de nome confuso e com muitas traduções diferentes , era capaz de alterar a realidade a sua volta com o uso de palavras estranhas e rituais complexos. Ele foi o primeiro bruxo.
 Assumindo como missão a tarefa de encontrar criaturas como ele , esse bruxo , que alguns chamam de Adison cruzou os hemisférios.Em seu caminho ele encontrou alguns seres humanos talentosos e lhes ensinou alguns de seus truques . Ao notar que seus poderes podiam ser ensinados ele se dedicou a divulgar a sua arte. Ao contrário de sua mãe , ele não era imortal. Ele viveu cerca de duzentos e vinte anos e ensinou cerca de duzentos e vinte seres humanos em lugares diferentes do mundo.
 A história da bruxaria não é uma história que se separa da humana . Nós , bruxos , estivemos presentes em grande parte dos grandes momentos da humanidade.Fomos os primeiros astrólogos e astronomos.  Com o tempo porém , a humanidade passou a nos temer . A nos odiar . E fomos caçados . Aqueles de nós que realmente tinham algum poder simplesmente revidaram ou transformaram-se em animais , livres de perseguições. Outros , os mais corjaosos  , na minha opinião , fundaram famílias de bruxos , afim de preservar o conhecimento inicial e dar seguimento ao caminho da magia no mundo.
 Meu nome é Céu , eu tenho vinte e dois anos , sou brasileiro e acabei de escrever esse texto em uma folha de caderno que eu , tenho quase certeza , vou queimar antes que meu colega de quarto chegue.